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Foto do escritorCidinha Amaral

A profissionalidade do professor e os desafios da sala de aula universitária

Atualizado: 17 de ago. de 2020

O que determina a qualidade da docência? O que é uma docência competente? Basta a competência pedagógica? A competência específica da área de atuação do professor? Qual o papel do professor universitário? Professor para quê? Para quem? Por quê?



O ensino superior tem experimentado nos últimos anos mudanças muito mais significativas do que as vividas em toda sua história: massificação, progressiva heterogeneidade dos estudantes, redução de investimentos, uma nova cultura da qualidade, novos estudos e novas orientações na formação, incluindo a importante incorporação das novas tecnologias e do ensino a distância, além de profundas transformações sociais e culturais que incidem no contexto universitário.


Porém, em todo esse cenário de transformações, é preciso enfatizar a formação como aspecto fundamental do ensino superior e ressaltar que a importância dela resulta da sua necessária vinculação ao crescimento e aperfeiçoamento das pessoas, entendido num sentido global, integral; enfim, o ensino superior precisa ser espaço para que os indivíduos cresçam como pessoas. Portanto, o sentido que se quer atribuir para a formação envolve diferentes conteúdos formativos, dimensões que os nossos destinatários poderão desenvolver e aprimorar como consequência do processo formativo:


- crescimento pessoal;

- conhecimentos: cultura básica geral, cultura acadêmica, cultura profissional;

- habilidades para intervenção genérica e especializada;

- atitudes e valores;

- enriquecimento da experiência.


Tal concepção de formação busca atender tanto às necessidades de um desempenho profissional de excelência – sem estabelecer uma dependência absoluta em relação às exigências, muitas vezes discutíveis, do mercado de trabalho – quanto ao enriquecimento pessoal e melhoria da qualidade de vida das pessoas. Além disso, no ensino superior, a formação está perpassada por diferentes demandas: expectativas dos alunos, missão institucional, anseios da sociedade e linhas de atuação incorporadas pelo corpo docente e identificadas nos diferentes projetos político-pedagógicos dos cursos.


Em todo caso, essa ideia da formação que vincula a universidade tanto ao desenvolvimento profissional como ao desenvolvimento pessoal está muito próxima da visão defendida no último Informe Mundial da Unesco sobre a formação para o século XXI (Zabalza, 2004).

Sabe-se que a equipe internacional coordenada por J.J. Delors ofereceu uma visão ampla e polivalente do estudante que imaginamos formar em um mundo como o de hoje. O importante para nós é saber como traduzir essas ideias em um projeto formativo adequado às peculiaridades de nossa instituição universitária e ao curso em que nossos estudantes se formam (cf. Delors, 2004, p. 44).


Em síntese, a formação na graduação e pós-graduação deve estar fundamentada nos seguintes itens: o desenvolvimento pessoal, o desenvolvimento de conhecimentos e competências específicas e uma visão ampliada do mercado de trabalho, promovendo a atuação autônoma, alicerçada numa independência intelectual que traduza a capacidade crítica, levando o graduado a tomar decisões e assumir compromissos.


Em todo esse complexo cenário, a participação dos professores é de fundamental importância na consolidação de mudanças que tragam efetivamente uma melhoria da qualidade de ensino. Sem o aval dos professores, mudanças não se realizam. O ensino superior não fará frente aos desafios postos pela contemporaneidade se não colocar no centro de suas preocupações as questões relativas à identidade, às condições de trabalho e à profissionalização docente.


Por isso, é fundamental a confluência entre os esforços e o compromisso da instituição de ensino superior e de seus profissionais na busca da qualidade, pois sem essa política de integração é pouco provável que as iniciativas que visem à excelência na oferta dos serviços do ensino superior se efetivem.


É preciso um professor que exerça – e uma instituição que garanta – uma docência da melhor qualidade. Todo crescimento em relação à qualidade passa por um maior esforço em investimentos institucionais e organização de estratégias formativas e, ao mesmo tempo, por um desenvolvimento mais consciente da ação docente.


Concordamos com Zabalza (2004, p.177) quando ele afirma que a noção de qualidade de ensino superior está atrelada aos seguintes fazeres: fazer bem o que se está fazendo mal, o que significa introduzir sistemas de diagnóstico do funcionamento dos diversos setores e das diferentes instâncias universitárias para identificar seus pontos fortes e fracos; fazer melhor o que se está fazendo bem, o que implica um plano estratégico de qualificação e desenvolvimento institucional capaz de ir consolidando e sustentando as realizações obtidas, e fazer o que não se está fazendo e fazê-lo bem, isto é, incorporar dispositivos que facilitem e tornem possíveis inovações e processos de crescimento sistemáticos.


Do docente exige-se, então, além da competência teórica em específicas áreas de saber, o desenvolvimento de um processo de formação permanente em que a prática docente seja fundamento para a reflexão e que nele desenvolva a postura de profissional reflexivo, pesquisador da própria prática.


É necessário considerar que o ensino superior no Brasil, desde o seu início – e pode-se afirmar, com segurança, até nossos dias –, tem enfatizado como condição básica para o exercício docente o domínio de conhecimentos e experiências profissionais. Quem domina uma área do conhecimento está habilitado a ensiná-la. Vale dizer: “quem sabe, sabe ensinar”.


Embora com mestrado e doutorado, as exigências permaneceram as mesmas: domínio de conteúdo em determinada matéria e experiência profissional. Com a mudança do cenário sócio-econômico-cultural, com a alteração do perfil da clientela escolar, especialmente nas instituições privadas, e com as novas demandas de um mundo dominado pelo avanço tecnológico, só recentemente os docentes universitários e as próprias instituições de ensino superior começaram a se conscientizar de que o papel de professor universitário exige uma profissionalização própria e específica e que não se esgota no diploma de bacharel, ou mesmo de mestre ou doutor, ou ainda no exercício com sucesso de uma profissão.


Portanto, exige uma formação específica e uma competência singular: a competência pedagógica, pois ser professor no ensino superior pressupõe, também, a postura de educador. Coloca-se em xeque a crença de que quem sabe, automaticamente sabe ensinar.

Alguns questionamentos se impõem: o que determina a qualidade da docência? O que é uma docência competente? Basta a competência pedagógica? A competência específica da área de atuação do professor? Qual o papel do professor universitário? Professor para quê? Para quem? Por quê?


Teresinha Rios (2006) defende a ideia de que o ensino competente é um ensino de boa qualidade, e esta é totalizante, abrangente, multidimensional. É social e historicamente determinada porque emerge em uma realidade específica de um contexto concreto. Portanto, uma análise crítica da qualidade deverá considerar todos esses aspectos, articulando aqueles de ordem técnica e pedagógica aos de caráter político-ideológico.


Assim, é possível afirmar que docência no ensino superior – tendo em vista a melhor qualidade – inclui uma dimensão técnico-profissional, isto é, dominar com propriedade seu campo específico de atuação, mas também as demais dimensões da qualidade do profissional: a dimensão humana, a qual enfatiza as relações interpessoais presentes na tarefa educativa e embasadas na sensibilidade e afetividade; a dimensão ética, que se relaciona à orientação da ação baseada no princípio do respeito e da solidariedade, do convívio e da realização de um bem coletivo; a dimensão político-social, que diz respeito ao posicionamento e à participação na construção coletiva da sociedade; a dimensão didático-pedagógica, que envolve o domínio dos fundamentos do processo de ensino-aprendizagem, seus objetivos, suas metodologias, suas formas de avaliação e o domínio da tecnologia aplicada à prática da sala de aula.


No entanto, a questão nodal do perfil docente constitui-se na passagem de uma docência baseada no ensino para a docência baseada na aprendizagem, em que os profissionais do ensino se tornem profissionais da “aprendizagem”. Em vez de especialistas que conhecem bem um tema e sabem explicá-lo, considerando a tarefa de aprender como exclusiva do aluno, o docente precisa transformar-se em um profissional compromissado com seus alunos, atuando como facilitador e se esforçando para que os alunos tenham acesso intelectual aos conteúdos e práticas da disciplina.


O papel de professor como mero repassador de informações atualizadas e palestrante convicto está no seu limite, pois as informações novas despontam com uma velocidade inacreditável, e muitas vezes somos surpreendidos pelos nossos alunos, que nos trazem dados e fatos novos aos quais ainda não tivemos tempo de ter acesso nos sites existentes na internet.


Faz-se urgente uma mudança na cultura universitária em relação ao perfil do professor e seu papel no processo formativo dos alunos, que vai além da formação meramente profissional, pois deve abarcar a formação integral do futuro profissional.


Assim, a aula universitária deve se constituir num encontro de pessoas específicas em sua diversidade, mas unidas ou mobilizadas por objetivos comuns.


A relação entre os participantes do processo de aprendizagem – mestres e aprendizes – revela-se em uma ação de equipe voltada para a consecução dos objetivos educacionais em pauta. Deve ser marcada pela corresponsabilidade em relação ao aprendizado e feita em parceria, a qual é fundada no diálogo entre pessoas adultas.


Para Masetto (2003), a relação entre professor e aluno deixa de ser vertical e de imposição cultural e passa a ser de construção em conjunto de conhecimentos que se mostrem significativos para os participantes do processo, de habilidades humanas, profissionais, e de valores éticos, políticos, sociais e transcendentais. A relação será aquela que permite que o professor saia de trás da mesa e venha sentar-se junto com os alunos pesquisando e construindo conhecimento.


No âmbito do conhecimento, segundo Masetto (2003), o ensino superior percebe a necessidade de se abrir para o diálogo com outras fontes de produção de conhecimento e de pesquisa, e os professores já se reconhecem como não mais os únicos detentores do saber a ser transmitido, mas como um dos parceiros a quem compete compartilhar seus conhecimentos com outros e mesmo aprender com outros, inclusive com seus próprios alunos. É um novo mundo, uma nova atitude, uma nova perspectiva na relação entre o professor e o aluno no ensino superior.


Para Cortella (2014), há alguns aspectos na área da Educação que precisam ter durabilidade maior, mas há algo de que não se pode esquecer: a importância de olhar a realidade, porque, afinal de contas, a Educação lida com o futuro. E a realidade que nos cerca é extremamente diversa, contraditória, cruel, muitas vezes, e impõe a nós, educadores, uma reflexão profunda em relação ao nosso papel e ao nosso compromisso profissional com a sociedade (FREIRE, 1995). A educação, a escola e a docência, nesses novos tempos, pedem novas atitudes.


Nessa direção, ensinar é tarefa do professor universitário sim, mas ensinar de modo que os alunos aprendam. Ensinar é atividade com teor elevado de complexidade, tendo em vista que exige, além de um conhecimento acerca da disciplina e de suas práticas, um conhecimento sobre a maneira como os alunos aprendem, como serão escolhidos e utilizados as estratégias e os recursos de ensino, com a finalidade de melhor adequá-los às condições do processo ensino-aprendizagem. Conhecer bem a própria disciplina é condição imprescindível para a docência, mas não é suficiente.


O saber bem não garante o saber ensinar bem.

Entre elas destacam-se:


- saber identificar o que o aluno já sabe (e o que não sabe e necessita saber);

- saber estabelecer uma boa comunicação com seus alunos (individual e coletivamente): dar explicações claras. Manter uma relação cordial com eles; ouvi-los, respeitá-los; cuidar deles;

- saber agir de acordo com as condições e características apresentadas pelo grupo de estudantes com que se tenha de trabalhar – adultos, jovens, trabalhadores etc.

- ser capaz de estimulá-los a aprender, a pensar e a trabalhar em grupo; transmitir-lhes a paixão pelo conhecimento, pelo rigor científico, pela atualização etc.


Em resumo, busca-se um perfil diferenciado para os docentes de modo que sejam capazes de integrar e agir na pesquisa, na docência e nas atividades extensionistas, possibilitando a indissociabilidade entre os três eixos do ensino superior.


Assim, este perfil tem um componente muito peculiar que exige uma compreensão profunda de que a docência, numa perspectiva mais ampla, não se restringe ao ato de transmitir ou reproduzir conteúdos disciplinares, com vistas ao aprendizado de uma profissão. O que diferencia o professor de outros agentes que atuam na distribuição cultural não é o domínio da disciplina, embora este, como já salientado, seja indispensável ao exercício profissional, mas o que lhe é peculiar é a posse de saberes e de habilidades que lhe permitam garantir a aprendizagem da disciplina e a transmissão de uma concepção específica do mundo.


Concordamos com Althus (2011) quando destaca que o professor desempenha o papel fundamental de herdeiro, crítico e intérprete da cultura, cabendo ao mesmo despertar nos alunos o desejo de aprender e de exercer seu próprio julgamento.

Além disso, e especificamente para os docentes de instituições salesianas, é fundamental também ter sensibilidade pelo jovem e pelo mundo juvenil, uma vez que é pelo jovem a opção de trabalho da Congregação Salesiana.


Os docentes vivenciam a acolhida e a presença entre os jovens, como característica do processo educativo, de modo a criarem um ambiente centrado na pessoa humana, no diálogo e na colaboração, assumindo uma abordagem humanista de educação. Cabe aos docentes assumirem um estilo acadêmico e educativo baseado na presença que gera um relacionamento alicerçado no amor manifestado aos alunos e por eles percebido.

O docente é corresponsável pelo projeto político-pedagógico, de modo a vincular sua prática docente à realização coletiva desse projeto. Ele é o protagonista da sua práxis pedagógica, e o processo de reflexão e ação é importante para garantir a competência, na sua múltipla dimensionalidade, a qualidade, a inovação técnica e científica na docência.

Ressalta-se, a título de conclusão, a urgência e a necessidade de que a Universidade assuma o compromisso com a reformulação e implementação de políticas de formação docente que possam responder aos desafios contemporâneos, de forma a propiciar uma intervenção crítica e transformadora voltada à melhoria da sociedade e à emancipação humana.


Nessa direção, para promover a construção da profissionalidade docente, é urgente que a Pedagogia Universitária seja introduzida no contexto do ensino superior, pois, como uma ciência integradora, constitui-se campo de conhecimento sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, é uma diretriz orientadora da ação educativa.

Referências

ALTHAUS, Maiza Taques Margraf. Aprender, conhecer e ensinar: ressignificando conceitos para a docência universitária. UEPG/ PUCPR/EDUCERE-2011.

AMARAL e SILVA, Maria Aparecida Felix do; BUENO, Marcilene Rodrigues Pereira. Por uma docência da melhor qualidade: as dimensões da competência docente e o professor universitário na atualidade. NAP-UNISAL-Lorena. Curso Online – Docência no Ensino Superior, 2006.

CORTELLA, Mário Sérgio. Educação, escola e docência: novos tempos, novas atitudes. São Paulo: CORTEZ, 2014.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. UNESCO-MEC. São Paulo: Cortez, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

____________. Educação e mudança. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. 4ª. Reimpressão. São Paulo: Sammus Editorial, 2003.

____________. O professor universitário na hora da verdade: a prática docente no ensino superior. São Paulo: Avercamp, 2010.

RAULI, Patricia Maria Forte – FPP/PUCPR,ALTHAUS; Maiza Taques Margraf – UEPG/PUCPR. O compromisso da universidade com a formação docente. FPP/PUCPR/ UEPG/PUCPR. X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE/ 2011- PUCPR.

RIOS, Terezinha Azerêdo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2006.

ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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