Qual a responsabilidade do professor universitário na atualidade: ensinar? Fazer o aluno aprender? Ou ir além, fazer o aluno apreender?
Por Maria Aparecida Felix do Amaral e Silva
I - Ensinar, Aprender e Apreender
Qual a responsabilidade do professor universitário na atualidade: ensinar? Fazer o aluno aprender? Ou ir além, fazer o aluno apreender?
Em nossos dias, busca-se direcionar o foco para a aprendizagem, no intuito de conhecer e compreender como se dá a aprendizagem do aluno. Assim, no presente tema e curso, pretendemos aprofundar nossa reflexão a esse respeito.
O que entendemos por ensinar? Quando temos a certeza de que ensinamos? E quanto à aprendizagem pelo aluno, que considerações temos feito a esse respeito? Ao terminarmos de ensinar, estamos certos de que os alunos aprenderam? Parece, à primeira vista, que estas indagações são supérfluas, pois ao professor cabe ensinar e ao aluno aprender. Ensinar diz respeito ao professor. Aprender diz respeito ao aluno.
Lea da Graças Camargo Anastasiou (2005) faz reflexões, muito interessantes e pertinentes, sobre o ensinar e o aprender na universidade que gostaríamos de partilhar com vocês.
Para ela, uma das questões nodais de debate da ação docente diz respeito ao ensinar, ao aprender e ao apreender. Ações que na maioria das vezes são consideradas e postas em prática como ações disjuntas, " ouvindo-se até de professores afirmações do tipo: 'eu ensinei, o aluno é que não aprendeu'".(ANASTASIOU, 2005)
O que é ensinar, então? A representação que ainda temos do que é ensinar decorre da ideia de que
[...] ensinar é apresentar ou explicar o conteúdo numa exposição, o que a grande maioria dos docentes procura fazer com a máxima habilidade de que dispõe; daí a busca por técnicas de exposição ou oratória, como elementos essenciais para a competência docente. Historicamente, sabe-se que o modelo jesuítico, presente desde o início da colonização do Brasil pelos portugueses, apresentava em seu manual, Ratio Studiorum -datado de 1599 -, os três passos básicos de uma aula: preleção do conteúdo pelo professor, levantamento de dúvidas dos alunos e exercícios para fixação, cabendo ao aluno a memorização para a prova. Nessa visão de ensino, a aula é o espaço em que o professor fala, diz, explica o conteúdo, cabendo ao aluno anotá-lo para depois memorizá-lo. Daí poder prescindir da presença do próprio aluno, pois, se há um colega que copia tudo, basta fotocopiar suas anotações e estudá-las, para dar conta dessa maneira de memorizar os conteúdos.
Nesse caso, mesmo numa situação que tradicionalmente seja considerada uma boa aula, em geral explicita-se o conteúdo da disciplina com suas definições ou sínteses, desconsiderando-se os elementos históricos e contextuais, muitas vezes tomando suas sínteses temporárias como definitivas, desconectando-as de afirmações técnicas das pesquisas científicas que as originaram. (ANASTASIOU, 2005, p. 12)
Não vivemos no tempo dos jesuítas, mas, certamente, herdamos muitas de suas práticas didáticas, até porque durante todo o processo de nossa formação foi esse o modelo a que presenciamos, em grande medida, em nossas aulas e por meio dele conseguimos efetivar sínteses que nos possibilitaram prosseguir em nossa trajetória acadêmica. Porém, "temos hoje dados de pesquisas que nos permitem um caminhar científico relacionado ao quadro teórico-prático atual que a Pedagogia coloca à nossa disposição".(ANASTASIOU, 2005, p. 13.)
Precisamos compreender em profundidade o que seja ensinar para podemos entender como se dá esse processo. Ensinar, do latim emignare, tem o significado de marcar com um sinal - que para o educador deveria ser de vida - buscar e despertar para o conhecimento.
Segundo Anastasiou (2005), o verbo ensinar tem, em si, duas dimensões: uma utilização intencional e uma de resultado, ou seja, a intenção de ensinar e a efetivação dessa meta pretendida.
Reflitamos: se nós explicamos um determinado conteúdo ao aluno, mas o aluno não se apropriou dele, podemos dizer que ensinamos ou apenas cumprimos a nossa parte? Será que cumprimos as duas dimensões pretendidas na ação de ensinar?
O que é aprender? O que é apreender?
Há diferenças entre essas duas ações, embora nas duas esteja presente a relação entre os sujeitos e o conhecimento.
Apreender é palavra que deriva do latim apprehendere e significa pegar, segurar, prender, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar. Atentemos para a essência desses verbos que deixa clara a sua não passividade.
Para apreender é necessário agir, informar-se, tomar para si. O verbo aprender, derivado do apreender, tem o sentido de tomar conhecimento, reter na memória mediante estudo, receber a informação. (ANASTASIOU, 2005)
Pensemos sobre isso. O que definimos como essencial na nossa tarefa de ensinar, apenas aprender ou apreender?
Se nossa intenção for apenas a de que o aluno aprenda, se for apenas receber a informação de, é suficiente transmiti-la pela exposição oral. Nesse sentido uma boa palestra é o que basta para passar a informação. Mas se nossa intenção ao ensinar é que o aluno apreenda, temos que revisar nossa atuação em sala de aula.
Para o professor Pedro Demo, numa fala bastante assertiva e contundente sobre a apropriação do conhecimento em aula: "o primeiro mundo faz pesquisa e o terceiro mundo dá aula".
É preciso que reflitamos sobre o nosso fazer em sala de aula e sobre nossos objetivos ao ensinar e exercer nosso ofício. Somos meros "dadores" de aula ou somos "fazedores" da aula?
É preciso, segundo Anastasiou (2005), que façamos uma revisão de nossa prática:
Daí a necessidade atual de se revisar o "assistir a aulas", pois a ação de apreender não é passiva. O agarrar por parte do aluno exige ação constante e consciente: informar-se, exercitar-se, instruir-se. O assistir ou dar aulas precisa ser substituído pela ação conjunta de fazer aulas. Nesse fazer aulas é que surgem as necessárias formas de atuação do professor com o aluno sobre o objeto de estudo e a definição, escolha e efetivação de estratégias diferenciadas que facilitem esse novo fazer. (p. 14)
II - Processo de ensino-aprendizagem ou processo de ensinagem1
O processo de ensinagem resulta de uma interação entre professor e aluno e engloba tanto a ação de ensinar quanto a de apreender, em um processo contratual, de parceria consciente e deliberada entre educador e educando, no qual o primeiro é o mediador entre o sujeito que apreende e o conhecimento a ser apreendido, na busca da
construção do conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas no espaço da sala de aula e fora dela.
É necessário que coloquemos condimentos na estruturação de nossa aula para que ela possa ter sabor.
Trabalhando com os conhecimentos estruturados como saber escolar, é fundamental destacar o aspecto do saber referente ao gosto ou sabor, do latim sapere - ter gosto. Na ensinagem, o processo de ensinar e apreender exige um clima de trabalho tal que se possa saborear o conhecimento em questão. O sabor é percebido pelos alunos quando o docente ensina determinada área que também saboreia, na lida cotidiana profissional e/ou na pesquisa, e a socializa com seus parceiros na sala de aula. Para isso, o saber inclui um saber o quê, um saber como, um saber por quê e um saber para quê.
Nesse processo, o envolvimento dos sujeitos, em sua totalidade, é fundamental. Além do o quê e do como, pela ensinagem deve-se possibilitar o pensar, situação em que cada aluno possa reelaborar as relações dos conteúdos, por meio dos aspectos que se determinam e se condicionam mutuamente, numa ação conjunta do professor e dos alunos, com ações e níveis de responsabilidades próprias e específicas, explicitadas com clareza nas estratégias selecionadas. Assim, propõe-se uma unidade dialética processual, na qual o papel condutor do professor e a auto-atividade do aluno se efetivem em dupla mão, num ensino que provoque a aprendizagem por meio de tarefas contínuas dos sujeitos, de tal forma que o processo interligue o aluno ao objeto de estudo e os coloque frente a frente.
Bem, nesta altura vocês devem estar se perguntando: se é necessária esta parceria, se o processo não se efetiva unilateralmente, se é resultado da ação conjunta de professor e aluno ? E também: como enfrentar o cotidiano de nossas instituições em que a maioria dos alunos não se envolve no processo de ensino-aprendizagem e está apática em relação à busca do conhecimento; interessada, na maioria das vezes, apenas na nota e em conseguir um diploma?
Nossa resposta é imediata e contundente: se não houver participação de ambos os sujeitos do processo de ensinar e apreender, a apreendizagem não ocorre. Nenhum de nós pode apreender pelo aluno e ele precisa saber disso. Entretanto, como adulto da relação pedagógica, o professor precisa buscar a mobilização dos alunos (o que não é tarefa fácil) desde o início do período letivo, estabelecendo o contrato didático que tem como objetivo estabelecer as responsabilidades tanto do professor como do aluno no processo de ensinagem.
Como desdobramento dessa reflexão, temos o olhar voltado para a sala de aula e a aula, em si mesma, espaços ou ambientes em que os processos de ensinar e de apreender acontecem.
Que espaço é esse?
Que relações ali se estabelecem? Quem são os atores que atuam?
É, a sala de aula, um "texto" para ser escrito, lido e interpretado?
Em primeiro lugar, e nossa reflexão tem essa ótica, é necessário realizar um trabalho de desconstrução, tendo em vista a representação da sala de aula que construímos ao longo de nossa trajetória como alunos e como professores, e que, na maior parte das vezes, encara a sala de aula e a aula, especificamente, como um espaço físico e um grupo de alunos a quem vamos ensinar.
III - Revendo alguns pontos
1. A sala de aula é um espaço físico estático, que ao acolher pessoas - sujeitos sociais - torna-se lócus privilegiado de relações cognitivas, afetivas e culturais.
Assim, a aula se constitui num encontro de pessoas específicas em sua diversidade, mas unidas ou mobilizadas por objetivos comuns.
A relação entre os participantes do processo de aprendizagem - mestres e aprendizes - revela-ser uma ação em equipe, voltada para a consecução dos objetivos educacionais em pauta. Uma relação marcada pela co-responsabilidade em relação ao aprendizado e feita em parceria, fundada no diálogo entre pessoas adultas.
A relação entre professor e aluno deixa de ser vertical e de imposição cultural e passa a ser de construção em conjunto de conhecimentos que se mostrem significativos para os participantes do processo, de habilidades humanas, profissionais, e de valores éticos, políticos, sociais e transcendentais. A relação será aquela que permite que o professor saia de trás da mesa e venha sentar-se junto com os alunos pesquisando e construindo conhecimento.(MASETTO, 2003)
2. A sala de aula é espaço de com vivência:
Segundo Masetto ( 2003) a aula deve se compreendida com espaço e ambiente de (con) vivência.
Vivência significa "vida" e vida traz consigo uma conotação de "realidade". Então, quando falamos da aula com "vivência" queremos ressaltar a fundamentalidade de seu caráter de integração com a realidade. A aula com espaço que permita e favoreça e estimule a presença, a discussão, o estudo, a pesquisa, o debate e o enfrentamento de tudo o que constitui o ser, a existência, as evoluções, as transformações, o dinamismo e a força do mundo, do homem, dos grupos humanos, da sociedade humana, existindo numa realidade contextualizada temporal e espacialmente, num processo histórico em movimento. Essa realidade diz respeito diretamente àqueles que se reúnem numa aula.( 2003, pp. 74-75)
Trazer a realidade para o contexto da aula, torná-la viva, com movimento, pressupõe fazê-lo em parceria , nunca isoladamente. O fazer com o outro é fator primordial no desenvolvimento integral do aluno e na promoção de uma formação profissional que privilegie uma inserção efetiva e de qualidade no mundo do trabalho.
3. A Sala de aula, espaço de Vivência com:
Desta forma, com a vivência da realidade, na sala de aula, o aluno universitário faz com o professor e com o colegas, com os outros. Com o mestre, pois este assume a postura de facilitador do processo de aprendizagem e das relações entre os alunos de sua turma, mediando as ações dos educandos, vistos como protagonistas na apreensão dos conceitos, dos procedimentos e das atitudes necessários a sua formação profissional e pessoal. Com os colegas, pois não se aprende apenas com o professor; as interações cognitivas, culturais , sociais que se estabelecem na sala de aula universitária constituem-se momentos e espaços fundamentais de aprendizagem.
O processo de aprendizagem em sala de aula, marcadamente no Ensino Superior, é pontuado pelo aspecto da capacitação profissional, de preparação para o mundo do trabalho, destacando o ensino de conteúdos técnicos e de instrumentalização do aluno para o enfrentamento da competição, na busca de um posto de trabalho num mundo cada vez mais competitivo. A preocupação com o desenvolvimento humano tem tido muito pouco espaço no contexto universitário. O foco primordial é o ensino de conceitos e habilidades técnicas a alunos que pouco buscamos conhecer, pois pressupõe-se que estão ali prontos e preparados cognitiva e emocionalmente para assimilar os conhecimentos que nos competem transmitir como professores ensinantes.
Esta sala de aula não atende mais, com qualidade, eficiência e eficácia uma nova clientela, com perfil diferenciado, em virtude das modificações na sociedade.
A sala de aula universitária precisa constituir-se em espaço de convivência humana (pois deve ser geradora de aprendizes autônomos), capaz de se transformar num encontro estimulante e desafiador para os sujeitos que ai se reúnem: professores e alunos.
Espera-se, pois, que o professor universitário cumpra as seguintes tarefas, de acordo com Moran (2001,pp.30-31) :
Orientador/mediador intelectual: informa, ajuda a escolher as informações mais importantes, trabalha para que elas se tornem siginificativas para os alunos, permitindo que eles as compreendam, avaliem - conceitual e eticamente - reelaborem-nas e adaptem-nas aos seus contextos pessoais. Ajuda a ampliar o grau de compreensão de tudo, a integrá-lo em novas sínteses provisórias.
Orientador mediador emocional: motiva, incentiva, estimula , organiza os limites, com equilíbrio, credibilidade, autenticidade , empatia.
Orientador/mediador gerencial e comunicacional: organiza grupos, atividades de pesquisa, ritmos, interações. Organiza o processo de avaliação. É a ponte principal entre a instituição, os alunos e os demais grupos envolvidos (a comunidade). Organiza o equilíbrio entre o planejamento e a criatividade. O professor atua como orientador comunicacional e tecnológico; ajuda a desenvolver todas as formas de expressão, de interação, de sinergia, de troca de linguagens, conteúdos e tecnologias. Orientador ético: ensina a assumir e vivenciar valores construtivos, individual e socialmente. Cada um dos professores colabora com um pequeno espaço, uma pedra na construção dinâmica do "mosaico" sensorial-intelectual-emocional-ético de cada aluno. Este vai organizando continuamente seu quadro referencial de valores, idéias, atitudes, tendo por base alguns eixos fundamentais comuns como liberdade, a cooperação, a integração pessoal. Um bom educador faz a diferença.
As sugestões de Moran são válidas e imprescindíveis, mas, para tanto, é preciso que estejamos dispostos a enfrentar a realidade da sala de aula universitária com uma postura reflexiva.
Como enfrentar o desafio de tornar a sala de aula universitária - e a aula que ali se realiza - verdadeiro espaço de interação e de aprendizagem, especialmente nas sociedades avançadas em que predominam cada vez mais a tecnologia da comunicação, da informação? Pode a sala de aula ser um espaço de formação e de desenvolvimento para o aluno e não um lócus de pura transmissão de dados científicos, técnicos, em que se prima por um tecnicismo e um "fazer-mecânico", tanto por parte do professor como do aluno? Há no interior das instituições universitárias consciência plena do que se está realmente buscando quando se enfatiza nos projetos pedagógicos institucionais e nos projetos político pedagógicos dos cursos que o objetivo maior é a formação integral do aluno? Como sustentar no discurso e na prática docentes um ideal de educação que esbarra, via de regra, na cosmovisão dos alunos universitários sustentada pelos valores utilitaristas e pragmáticos do universo neoliberal? Como conviver com o novo perfil do aluno que ingressa nas universidades particulares, com grandes defasagens culturais e cognitivas? Como continuar fiel à formação humanista, crítica e social e criar e ocupar espaços de transgressão e de transformação social?
Tais questões precisam ser refletidas por todos nós, professores universitários, e nos pedem um posicionamento claro e lúcido a favor dos verdadeiros objetivos da universidade. As reflexões do tema l foram enfáticas nessa temática.
A sala de aula da universidade, acreditamos, pode sim, ser espaço formativo e favorecer o aperfeiçoamento do aluno e do professor, na medida em que possibilita ao primeiro, ambiente em que aprende a pensar, elaborar e expressar melhor suas idéias e a ressignificar suas concepções, em que é introduzido no universo dos saberes teoricamente elaborados e nos procedimento científicos de análise, interpretação e transformação da realidade, e ao segundo, o aperfeiçoamento profissional, na medida em que considere as práticas que na aula acontecem como objeto de análise, tendo em vista a proposição de alternativas que qualifiquem o ensino e contribuam para a melhoria da aprendizagem.( GARRIDO, 2001)
IV - Sala de aula : formando o professor reflexivo e investigativo
O quadro que apresentamos acima mostra que a tarefa do professor/educador sofre um desafio permanente em decorrência do caráter imprevisível e contraditório das interações que se dão dentro e fora da sala de aula.
Mais que um exímio professor, detentor de conhecimentos e pesquisador de sua área de atuação, é necessário, como uma possibilidade de atuação, que os professores universitários, para fazer frente a este cenário instigador e contraditório do ensino superior atual, construam "trilhas alternativas" para entender suas classes e suas práticas e buscarem aperfeiçoar-se profissionalmente como docentes.
Uma delas é encarar a situação concreta da sala de aula e tornar-se um pesquisador deste espaço singular e analisar o que ali se passa da parte do aluno e do professor. Tarefa nada fácil. É muito delicado e, diríamos, até constrangedor analisar a própria aula, perceber nossos limites, nossas incoerências, nossas falhas.
Entretanto, este é um exercício que pode ajudar-nos a entender no que consiste nosso fazer pedagógico e a descobrir algumas alternativas de solução para focar nossa atuação não apenas no ensino, mas ensinar de um modo que nossos alunos possam aprender, pelo menos no que depender de nossa ação como professores.
Podemos começar a olhar a sala de aula de maneira distanciada, como o investigador, como o pesquisador em relação ao seu objeto de pesquisa.
Vamos tomar a sala de aula como nosso objeto de investigação, procurando, primeiramente, observá-la e descrevê-la, de forma a mais isenta possível, sem julgamentos e justificativas.
Como dissemos, anteriormente, a sala de aula é um texto que escrevemos em parceria com os alunos e que precisa ser lido, entendido, interpretado, decifrado, a partir de pistas que nosso olhar atento vai aos poucos descortinando. Como investigador, é preciso que o educador faça perguntas ao seu objeto de estudo e fique atento para colher, aceitar e trabalhar as respostas.
Como vejo os meus alunos? Como se estabelecem nossas relações? Por que nem todos os alunos mostram-se interessados na aula? Dedico-me aos alunos das primeiras carteiras ou procuro mobilizar (embora dificilmente se consiga envolver a todos) a classe toda? Há participação e troca de informações e opiniões durante a aula? Tenho favorecido estas intervenções ou minha postura tem funcionado como um freio às vozes discordantes e às dúvidas? Que aspectos preciso retomar em virtude da não compreensão pelos alunos? Houve algum momento em que o diálogo foi mais participativo e produtivo? O que favoreceu o entendimento e envolvimento? Como respondo às perguntas que os alunos fazem? Tenho dado valor a elas? Como administro os momentos de rompimento e bloqueio de diálogo? Houve resistência ao pensar? Houve resistências ao tema? Os participantes estão envolvidos, dispersos ou confusos? Quem está alheio? Quais os alunos que mais contribuem? Quais os alunos cuja atitude favorece a participação da classe? Quais os alunos que ao contrário, dominam a discussão? Como atuo junto a ele? Quem teve sua participação inibida?
Após a observação é primordial perguntar-se sobre o sentido dessas falas, desses comportamentos, dessas interações. Por que os alunos atuaram dessa forma? Qual a relação entre essas práticas que observamos e o nosso discurso? Quais ações deveríamos colocar no lugar dessas que observamos para elas serem conseqüentes com nosso discurso? Por que não conseguimos pôr em prática nossas intenções? Dizendo de outro modo, quais razões invisíveis estariam sustentando as práticas que observamos?
Esse exercício de reflexão sobre nosso fazer como professores permite um encontro pessoal difícil, doloroso, mas essencial para nosso crescimento como profissional docente e como pessoa.
Esta "reflexão sobre a prática" que se inicia no nível individual, ganha maiores benefícios quando se projeta no nível coletivo, com a troca, a partilha, pois permite, assim, a viabilização de projetos conjuntos, favorecendo um clima de socialização e abertura para a mudança. A reflexão adquire uma dimensão crítica na medida em que se
projeta para além das questões disciplinares e didáticas e aborda aspectos relacionados às condições institucionais de trabalho e da profissão docente.
A atitude reflexiva do docente universitário abre espaço para a transformação das práticas pedagógicas e a conseqüente proposição de projetos de intervenção no cotidiano da sala de aula, permitindo a atuação do professor como pesquisador e como produtor de conhecimento prático sobre o ensino.
Segundo Garrido (2001, p. 13 8), o educador toma-se produtor de conhecimento pedagógico e "o faz nas condições da sala de aula, realidade multifacetada, que exige dele domínio do conhecimento da disciplina, sensibilidade e constantes tomadas de decisão para (re)equilibrar a rica trama de interações manifestas e ocultas que aí ocorrem."
Neste sentido, a academia necessita não só valorizar o trabalho e a produção do professor, mas tê-lo como parceiro e colaborador nas questões sobre o ensino e a aprendizagem, pois é ele que intervém, acompanha, conduz, cria, reformula e aperfeiçoa as condições e os estímulos mediadores para o processo de construção do conhecimento pelo aluno.( ZEICHNER,1993 E 1998, APUD GARRIDO, 2001, P. 138.)
V - O sentido da reflexão no cotidiano da universidade
A universidade para caminhar na busca de um ensino de qualidade social que dê conta não só da informação e do conhecimento, mas que favoreça a promoção da formação integral do aluno, precisa criar espaços para propiciar a troca de experiências entre seus educadores, a reflexão sobre a instituição educativa - a academia - sua responsabilidade social e sobre o trabalho docente.
O professor reflexivo age motivado por uma consideração séria e cuidadosa a respeito daquilo que acredita e pratica, analisando o que justifica as causas e as consequências de propostas teóricas ou experiências realizadas. Ser reflexivo tem o sentido de tornar consciente um saber tácito, trabalhando tal saber, criticando-o, examinando-o, melhorando-o. Esta ação reflexiva pede: abertura de espírito, responsabilidade e sinceridade, sem o que os discursos e intenções serão vazios. (ZEICHNER, 1993, apud GIESTA, 2001)
Segundo Giesta (2001), que discute e enfatiza a importância da formação reflexiva no cotidiano da instituição escolar como valorização do saber docente, o:
Admitir o erro (construtivo), ouvir e analisar opiniões e alternativas de ação enfrentando conflitos que gerem transformação de práticas já "sacramentadas" é uma atitude corajosa da qual uma intenção de reflexão não pode prescindir. Pensar nas consequências decorrentes das decisões tomadas que podem assumir é uma responsabilidade a ser assumida pelo profissional e esse é um risco que nem todos esperam ou ousam correr.
É importante destacar que a análise e a crítica das teorias e práticas docentes ganham relevância e uma projeção muito mais consistente, quando realizadas no coletivo, em grupos de estudo ou de trabalho identificados pelo objetivo de discutir as ações docentes e institucionais. O refletir na prática e sobre a prática pedagógica propicia com certeza uma reação individual e coletiva, mas tal reação deve isentar-se de apenas encontrar justificativas no exterior da prática de ensino, devendo, primordialmente identificar acertos e sucessos que elevem a auto-estima do professor; assim também, as omissões, os fracassos, as falhas e lacunas para que se busquem procedimentos e estratégias visando sua superação. (GIESTA, 2001)
Comments